quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Trásdaponte - Estórias com Gente de Trásdaponte

ESTÓRIAS COM GENTE DE TRÁSDAPONTE

LARGO DA IGREJA ANOS 50 SÉC. XX

                                        de  Eduardo Palaio

Parte  2


Agora que já estou melhor num intervalo dos deveres da escola
que são muitos já tenho tempo para descrever à senhora minha 
avó Jesus o sítio onde vivemos aqui no Seixal. O prédio é o maior
que aqui há no Largo da Igreja o meu pai que ainda agora chegou
havia de gostar mais que o largo se chamasse Largo do Coreto a
avó já sabe como ele é e tem dois andares e águas furtadas que
não dá para avistar pois a um que comece a recuar para as ver
acaba por bater com as costas na igreja sem as ver.Se o prédio 
caísse inteiro batia na igreja veja a avó como fica mesmo em
frente. Do meu quarto e do meu irmão pela janela grande que é
toda envidraçada vê-se o rio que é logo a seguir à pequena rua
onde fica a entrada da Câmara Municipal. O largo tem cinco
saídas o que é o mesmo que dizer que tem cinco entradas aqui
bem no largo temos a tal padaria e a dita taberna de que já falei
uma farmácia mais uma barbearia uma escola da sogra do
senhor Necas uma mercearia grande do senhor Mário uma
 casa de máquinas de costura dum senhor Pereira uma casa
caserna da guarda republicana a Câmara um coreto de banda
de música e uma cadeia onde às vezes estão um que se
chama ladrão alto outro é o senhor Pinho e o que falta é um
a que chamam Texugo que anda em bicos dos pés a mais das
vezes a falar alto e contra o Salazar. No nosso prédio de viver
vivem um senhor muito educado no mesmo andar do nosso que
se chama Manuel Rebelo e tem mulher e uma filha que é
quem eu mais conheço e o meu pai também depois os Penholas
os Sesimbras e por cima do senhor Rebelo o senhor Américo
Capucha não sei se capucha é nome  ou é alcunha o mesmo
para o senhor texugo aqui muita gente é conhecida por alcunhas
só falando nos que moram no nosso largo os nossos vizinhos
já ouvi chamarem pelos fadistas que moram por debaixo do 
Severa ( não sei se é alcunha ) e por cima dos Cága-Apitos
desculpa avó mas é assim que dizem depois hà os Coelha 
Branca os Santolas e no prédio ao lado uma senhora Coça e
em frente um que é o senhor Chico Bruxo que vive com umas
irmãs coitadinhas se lhe chamam bruxas e ao lado por cima
da farmácia um Vai-te Vai-te e do meu lado direito os
Cambalachos ( não sei se é nome se alcunha ) o Salustra deve
ser alcunha porque já o ouvi chamar de Jesuíno e deve
haver mais e o largo é quase quadrado e se eu for andar
devagar quando tiver contado até vinte já percorri o
comprimento todo.

Falando de alcunhas esta é a terceira terra onde vivemos e
tal como a terra da avó e da família que é a Figueira da Foz
tem também um rio e o mar está perto só que não se vê 
talvez por isso as pessoas daqui chamam mar ao rio 
depois de tanta mudança espero que desta vez seja para
ficar assim o desejo desde o dia em que chegámos da
Figueira. De cada vez que mudamos sai-se de uma terra e
perdemos os amigos o que é mau e triste e também em 
mudando fica para trás as alcunhas que tínhamos o que é bom.
Um rapaz de cabelo encaracolado que se calhar por isso
tem o nome de Ariolindo quis-me meter uma alcunha foi a
alcunha do "marroquino" ( acho que pensam que viemos
de Marrocos ) o pai dele tem mesmo aqui numa rua para
que dá o nosso largo uma barbearia e tem um bigode à
hitler e a alcunha de Tapum ( é o senhor Cézar Tapum ) 
e veio logo o filho dele o tal Ariolindo a querer 
meter-me uma alcunha!

Cumprimentos do meu irmão e de todos cá de casa e meus
do neto Eduardo e espero que esta a encontre de boa
saúde senhora minha avó.


FIM 









1 comentário:

  1. Que fantástica descrição. Não nasci no Seixal, mas já cá vivo há quase 40 anos e os pormenores das alcunhas e a restante prosa, fazem-me sentir saudades do tempo em que toda a gente se conhecia (pelas alcunhas, ou não). Depois, bem, depois começaram a chegar "os de fora", como eu. Os da terra, (os mais velhos claro), foram desaparecendo, ficando apenas a recordação agora avivada pela escrita do Eduardo Palaio, das pessoas que conheci quando aqui cheguei, ao "nosso" Seixal.
    Obrigado, por serem quem são!
    V. Ferreira

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