quinta-feira, 25 de julho de 2013

Trásdaponte - Memórias Escolhidas

Sugestão de leitura para este Verão

MEMÓRIAS ESCOLHIDAS
1932/1951

Ângelo Matos Piedade
Nascido e criado em Trásdaponte, autor
do  livro. Na Rua dos Valentes nasceu

Na Rua 1º de Dezembro viveu


O Trásdaponte vai transcrever mais umas
estórias do "Memórias Escolhidas" relacionadas

com gente de Trásdaponte


" Fui um privilegiado em relação aos jovenzinhos
que, aos onze e doze anos, já malhavam nas fábricas
e ofícios vários. Eu andava a estudar e, nas férias
de Verão, durante os três meses, era só galderice:
tanta bola, tanto banho que, muitas vezes, tinha de
correr para casa já perto do meio dia e, à pressa,
punha o bacalhau ao lume com as batatas que iria
ser o nosso almoço. E, se eu adorava a minha mãe,
como ainda hoje o faço com a sua memória!...

Antes de voltar ao trabalho,durante o apressado
almoço, a Maria Matos, sempre recomendava:
-só vais ao banho depois das quatro!... Eu dizia que
sim: - Está bem, mãe ! ( o meu pai muitas vezes
almoçava  nos estaleiros por onde andava ). E o
banho que se iniciava de manhã, recomeçava logo
que aparecesse malta, acabando um pouco antes
de os pais voltarem dos trabalhos por volta das cinco. 

Então, era a vez de ir fazer os recados.

O meu Largo era calcetado, mas sem o chafariz ao
centro, como agora. Todo ele era espaço para a
brincadeira. O seu quadrado, orlado por árvores
era, por sua vez, poleiro dos gatos, à excepção da
"Marlene", gata francesa que dormia aos meus pés
ou então na rua, quando roubava os bifes do jantar...
Quanto a gatos informo de que tive mais uma 
"Marlene", um "Zorro", um "Vadio" e o "Lua Cheia",
que no fez chorar quando morreu. Os meus gatos
comiam os nossos restos de todos os dias, tripas e
espinhas, naquela terra de peixe. A carne só aos fins
de semana, ficando a galinha para as festas.  


                          Desenho de Eduardo Palaio

A ti Neve, doméstica, o marido maquinista naval, os
os espanhóis Tomás e Teresa, os filhos Maria Amélia
e o Zé Tomás;o mestre carpinteiro Luís Câmara a
mulher e a desejada Manuela que arregalava os nossos
olhos; a Rosa Coisinha e o Daniel, corticeiros; também
corticeiros o Arsénio, a Guilhermina, a Serja e a Inês;
muitos Calqueiros, entre eles, o meu amigo Leal que
tocava na Banda a quem lhe eram entregues os
gloriosos sinos do 1812, e uma porção de Tavares.
O tio António Henriques e a tia Elisa e o filho Joaquim
que era coxo e tinha uma bicicleta que partilhava comigo.
O Epifânio, velho pescador que me emprestava a
"Balalaika", lanchadas "aventuras"; o Zé da Quinta
maquinista ( cuja bicicleta era mais minha que sua ),da
Isilda, doméstica e os filhos Anália ( dos olhos chineses
que riam sempre e do Helder que era um boneco ); a
minha mãe e a tia Vitória, corticeiras e o meu pai,

mestre calafate; e o tio Armando ( Bate Asas ) dos barcos
e o meu primo João Caetano, a crescer, naqueles tempos.
Ainda do Largo, o Broa, a mulher e a filha Jesuína. Os
filhos Albano, internacional de futebol e o Manuel,
também futebolista importante, já de lá tinham saído.

Por cima da minha casa, o cabrão do marreco o que
fazia era ser bufo e espiar as nossas conversas ,deitando-se
no soalho para saber onde o meu pai parava quando teve
de fugir para não ser preso e ter melhor sorte que o
meu tio Mário, entretanto preso em Caxias. A ti Elisa,
da janela dela via tudo e avisava, bem como a mulher do 
GNR Afasta-Afasta, amiga da minha mãe  e lhe dizia
que o Chico ainda não pode vir, mas esteja descansada
que dou notícias. E deu, ao fim de quatro meses o meu
pai e o meu tio, finalmente voltaram para casa.( O
meu pai andou por Almada, na casa da minha tia Leonor
e do cunhado e compadre amigo, meu tio Joaquim e em 
Lisboa, ficou algumas vezes na casa da minha prima Irene.)"

                                                       Ângelo Matos Piedade

 

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