A Praia do Alfeite está na moda. Até a Quercus dá o seu aval.
Para os Seixalenses, foi sempre conhecida como Praia do Alfeite,
no entanto, depois do 25 de Abril com a melhoria das condições
de vida do Povo, os Seixalenses começaram a frequentar as
praias da Caparica, assim, a nossa praia ficou a ser conhecida
como a Praia dos Tesos, frequentada por quem não tinha posses
para sair ou, simplesmente pelos amigos da praia.
Agora no séc. XXI, as coisas são mais finas, e a praia passou a
chamar-se Ponta dos Corvos. Hoje está novamente à pinha.
Porque será ? Sinal dos tempos ?
No seu livro "Memórias Escolhidas" Ângelo Matos Piedade
tem um capítulo dedicado à sua Praia do Alfeite.
A foto em baixo foi tirada no princípio da déc. de 70 do séc.XX
Vamos dar a palavra ao Ângelo
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O SORTILÉGIO DO ALFEITE
Falar do Alfeite, para mim, é um caso muito sério; é enternecer-me de recordações inesquecíveis, acompanhadas de alguma emoção...
A começar em pequenos barcos a remos do Macarrão, Capachila,
Tio António, Bald'água, Manuel Bolas, Dédé, Carlos Grande.
Ou atravessando, a nadar, o rio junto dos pilares; outras vezes
regressando ao Seixal a favor da corrente até à ponte dos barcos,
à Rampa, à Praínha ou às escadinhas do António Fernando,
mesmo à porta da minha casa...
No Alfeite, depois de ter começado a andar nas areias da
da praia de Cascais, cresci, brinquei, corri, nadei, remei,apanhei
as ondas do Sul - Expresso e das que os rebocadores faziam;
mas, religiosamente, as ondas onze e da uma.
Com sol, até com chuva nadei e joguei intermináveis desafios
de bola. Espreitei raparigas, desejei mulheres, namorei, amei...
Comi bebi, bebi, dormi e tive mil amigos...
Sentado ou de joelhos, quando garotinho, brincava com improvi-
sados barcos de casca de pinheiro e de ostras que a minha
mãozinha empurrava lentamente na areia dourada pelo sol
fazendo-os ir até ao Barreiro e a Lisboa para depois voltarem ao
Alfeite tendo passado, no regresso, por Trás-da-Ponte e pela
Praínha, onde paravam um pouco... Sempre com o motor a
trabalhar: - Trrum...,Trrum..., Trrum..., Trrum..., em viagens
sem conta. Foram horas e horas da minha meninice pobre:-
contemplando, sonhando...(Bendita memória!...).
Na minha incomparável praia e da saudosa mocidade, já bem
crescido e quantas vezes sozinho, depois de lá chegar na
Balalaika eu percorri chapinhando , em longos e vagarosos
passeios, esperando que a vida viesse ter comigo... isto, na
idade em que se tem todo o tempo do mundo!...
Não me é possível falar do Alfeite e de outras praias do Seixal
que me viram crescer como de uma qualquer se tratasse...
Para além da minha relação de amor, há uma forte razão para
a preferir: - é quando no Baixa - mar das marés grandes, as
águas vão entrando no começo da enchente cobrindo, devagar, o
areal e molha os nossos pés...
Com a aproximação das águas, movimentam-se os caranguejos
e advinha-se o despertar das minhocas, casulos, lingueirões,
berbigões, ameijoas, ostras, todos à espera da comida que lhes
vai chegar com as algas...
Caminhando pela sua orla, procura-se a concha mais bonita, a pedra
mais esquisita ou, ainda, o fóssil mais perfeito e raro, na companhia
das gaivotas, patos, corvos, ostraceiros, alfaites, borrelhos e mais
parentes... ( Anos mais tarde, viria a pescar lá, a savelha, salmonete,
corvinota, xarrocos, enguias, taínhas, robalos e manhosas choupas
e douradinhas...).
Deleitado, cumpria o meu ritual obrigatório, acontecendo ali, as mais
belas manhãs de Verão e de Paz... ( Bem digo as vezes que aquela praia
foi só minha ).
Devo conhecer quase todas as praias de Portugal, mas a antiga
Trás-da-Ponte e o Alfeite são as praias da minha vida.
Não tivera eu prometido à minha mãe que, quando chegasse o meu
dia de ir a enterrar no seu coval ou por perto, bem gostaria que
fizessem cizas do meu corpo e as espalhassem pelas duas, de forma
a que o mar, o querido mar da minha terra, me levasse embalado
e de novo voltar - Todos os dias...
Ângelo Matos Piedade
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