domingo, 29 de julho de 2012

Trásdaponte - O Bife - Parte 3 - Final

O Bife

( Parte 3 )

Passa o dia, desde a carreira das 6h20 até à das 20h, no meio do cheiro
a óleo, e das fugas do combustível,no espaço apertado onde o enorme
motor ocupa quase todo o porão, Marcha-à-ré,marcha-à-vante, meia-força,
toda-a-força! é assim todo o dia: ordens trim-trim que assim soam no
mecanismo comandado de lá de cima pelo mestre.
"Está aí a Maria Rosa!" - "o quê! O quê, caraças!" - ainda será preciso
chamá-lo mais duas vezes para que ele ouça e suba ao convés."Nem por 
ser dia de bife,chiça!" .Como é que lhe pode saber bem? com aquele pivete
que não se acantona nem sobe, que lhe fica pespegado nas roupas; e o
matraquear dos pistons sem parança, porque se param o motor pode não
arrancar no horário... Por isso está a ficar surdo, lamenta~se a Maria Rosa.
Falta um um quarto de hora,corre de volta menina!
Chega a casa, os filhos já foram, só tem tempo de abrir meia carcaça de 
dezasseis, chegar o lume à frigideira, esperar que a pasta coagulada volte
a ser molho e logo espalhar o líquido quente de modo a ensopar
abundantemente o miolo.Já está a tocar o "búzio" dos dez minutos.Pão e
molho,bem bom! No bolso,uma maçã riscadinha.
A meio caminho, junta-se à multidão apressada de homens e mulheres.
Romaria de centenas de azuis zuarte, sandálias e socos,aventais,bonés
e boinas, lenços negros de viúvas - como destroços de cheia em corrente
de rio.Ela já comeu quase metade. Apanha a Noémia.
- Ó Maria Rosa! Mas que cheirinho é esse tão gostoso?!
- É bife, queres?
- Deixa dar uma dentada - pede a Noémia.
No intervalo inesperado que aquela tarde proporciona,enquanto esperam
que uma das camaradas desentupa o tubo da máquina, espécie de funil de
onde caem as rolhas, a Maria Rosa tenta decifrar o que querem dizer todos
aqueles trejeitos de boca,palavras mudas, que a Noémia envia na sua 
direcção: - " O quê? Fala alto!" - a Noémia debruça-se por cima da passadeira,
quase lhe chega ao ouvido e então faz-se ouvir: " "Ah! Maria Rosa,
nunca comi bife tão tenrrinho!".

Final
Estória verídica contada por Eduardo Palaio


Sem comentários:

Enviar um comentário