A pequena janela do Beco do Alpendre
Parte 2
Os pais da Amélia não nos deixavam atender ao balcão,meninas
bem comportadas ficam a um canto sossegadas a estudar.
Mas naquele dia, por uns minutos, os dois tiveram que sair e foi
quando começaram a chegar os trabalhadores a reclamar por um
um copo de três.
Anda daí, dizia a Amélia com aquele ar despachado,vamos para
o balcão, eu sei o que é um copo de três, é aquele com uma risca
ao meio, abres a torneira do barril, pões um pires por debaixo para
apanhar os pingos do vinho e enches o copo, que eu levo às mesas...
e assim foi o meu primeiro dia de taberneira!
Bebíamos às escondidas todos os pingos que caiam do barril,
sentadas no chão por detrás do balcão e se as gargalhadas eram
muitas, passaram a ser ainda mais...
Entretanto a Carolina chegou para brincar connosco e avisou-nos
que os pais da Amélia já vinham aí, ela foi a nossa salvação, um
bocadinhos tontas da pinga, retomámos os nossos lugares de
meninas bem comportadas no canto da mesa.
Nisto chegam os pais da Amélia, muito afogueados e a perguntar
se nos tínhamos portado bem, mas com aquele ar desconfiado de
que se tinha passado algo e viram os copos de três em cima das
mesas já servidos... ralharam,ralharam...e nós quase a enfiarmo-nos
debaixo da mesa, dizendo que não voltaríamos a fazer o mesmo,mas
por favor não faça queixa à minha avó,suplicava eu!
Com aquele ar franzino de olhos esbugalhados de quem não parte
um prato, lá convenci a D. Ludovina, que só ralhava da boca para
fora, com um coração de ouro...e ela para mudar de conversa disse:
-Não têm fome?
Ufa! Que alívio! Já tinha passado o mau tempo! E não sei se era
do vinho, mas o facto é que estávamos com fome e foi aí que
entrámos na minúscula cozinha da taberna com uma janelinha que
dava para o Beco do Alpendre... os famosos ovos estrelados da
D. Ludovina iriam ser feitos numa frigideira pequenina, que parecia
de brincadeira, cheia de óleo e que com uma colher deitava por
cima deles aquele óleo fervente até formar uma capa branca,mas
durante pouco tempo, para não ficarem muito cozidos...com um
pedaço de pão rebentá-los e saborear de olhos fechados... os
melhores ovos estrelados que alguma vez tinha comido, os da
D. Ludovina!
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